terça-feira, 29 de março de 2011

Quero a chuva além da chuva

Vamos procurar o nosso refúgio. O sol o encontra no mar, para diluir sobre as ondas e cair no fundo, bronzeando alguns rochedos e só - o sol se reserva até o próximo raio. As nuvens o encontram na chuva, recolhendo os olhos, reduzindo o fitar, e a chuva o encontra estalando as gotas no telhado, oscilando a sua voz com a dos sonhos em uma madrugada. Fortaleço a proposta, procuremos a nossa enseada. Não há navio que não se entrega a um porto, e assim nos atentaremos a luz do primeiro farol. É o nosso renascer.

Já não basta escorrer na janela, quero a chuva além da chuva.
Compartilhar o mesmo telhado. Vamos, amor... procuremos, amor...
É nosso por direito.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Periélio

Nascerá de nós um dia sem relógios. Darei à manhã um índigo sem nuvens,
e darei flores as bromélias, e tons peculiares às janelas, sabendo o meu egoísmo – nesse dia, me extinguirei. Encontrar-te-ei no fim da tarde, e não haverá poente, para não haver traço algum de nossa fuga; iluminarei apenas os palmos a frente, e tua tempestade há de cobrir os passos detrás. Vamos ao oriente e ao norte. E na porção mais fria da jornada hei de estender os raios uma última vez, e pousarei em ti mais quente e vivo do que já me viu, fazendo nosso lar.

Fitará em todos os cantos, mas não vai encontrar-nos, e nascerá de nós um dia sem relógios – na ira do regente há de se adiar para todos. Nesses minutos incontáveis, viveremos do outro, insaciáveis do outro, num jardim de orquídeas; ouvirei suas histórias, compartilhando o calor que me resta... e apagarei. Enfim, outro astro assumirá o trono, e haverá manhã. Dirão os mais ditosos se tratar dos deuses, e não revelaremos a verdade. Por fim, se passará para as estrelas que nascem a história de nossa fuga, alertando sobre o amor, mas de forma tão surreal que as fará sonhar.

E nós, perguntas? Nós não diremos ao outro sobre esse dia, para não falhar nas palavras. Verás uma brisa fria chamar um sorriso meu, e terás toda a certeza; encostarás no meu ombro a fim de esconder sua reação, e se verter uma lágrima, a enxugarei com o rosto, mas não questionarei sua origem. Assim farás também comigo, até que a próxima estrela desça cá conosco...

segunda-feira, 14 de março de 2011

Amante

Pairou furtiva e tão rara,

Assoprou as nuvens, vestiu-se

De um amarelo-manteiga

E dormiu a contar as estrelas

Em seu cobertor...


Acordou, viu que fora traída.

‘Pois o Sol, que acariciando

A terra, verteu sobre uns olhos,

Tão grandes, castanhos...

Que perdeu-se no manto celeste!

E ficou...


As estrelas foram o júri dela.

E o divórcio foi mútuo de horas...

sábado, 12 de março de 2011

Serei breve, Lagoa

Os trovões não me preocupam, estou aqui, e aqui fico.
Uma vez se molha, e se chove no caminho de casa não há de se ensopar mais, pensava. E me enganei, veja, sequer saí de seus cuidados. Se chove é para molhar a tua face, e ouço despercebido do fundo, no meu telhado de água. Se há meia-lua a vejo, pincelada nas ondas, dançando. Entende, lagoa? Não me cansei.
Bem longe. Quero que você me trague, quero assentar no fundo com as pedras, quero ser lagoa. Não o rio que corre, a vida que passa, o amor que cessa, quero ser lagoa, eu e você lagoa, mansa e perpétua, infinita, lagoa. Vai tragando... O caminho de casa venta frio, e já nem sei se casa tenho. Consumindo, que se tiver fim será comum a nós, um conto triste, uma fábula triste, que se tiver fim será o fim da morte.

terça-feira, 8 de março de 2011

Seu presente













Quem são? Me preocupam os nossos leitores. As letras tratam de contar a chuva, algum punhado de estrelas e o leitor persiste; não protesta ou foca algum ponto fantasioso de vista, mas o leitor persiste, persiste. Hoje, presenteio. É o que me pesa: se eles estão aqui, devem ser nossos semelhantes, afirmar das mesmas características. Uma, a forma com que a ordem natural – chuva, sol ou uma lagoa – nos faz escrever de um êxtase contínuo e a outra, o tema que esses feitos revolvem, principalmente, você, deve os cobrir de um manto nostálgico e quente na semelhança com que têm, como temos, alguém a zelar pela eternidade dos textos.

Não basta o reconhecimento e como disse, hoje presenteio. Peço, amor, que não me guarde mágoas, mas darei a mão dos leitores uma memória nossa. Sim, é o que lhes ofereço e me custa, está lá como um espectro que corrói, a vagar nas veias, é o que lhes deixo e espero que, a cada leitor, dissipe-se de mim um tanto desse mal. O fato é que meu caro fantasma é a infinidade, não de tempo – dobrou se não mais de um minuto – mas do pesar. Para o casal no carro o compasso foi vago, falhou. Verá que havia ali um incitar de alma, um voto de silêncio que exigia um fim peculiar aquela noite, que como as demais de domingo me tinham indo na estação aos olhos inquietos da amada. E o tivemos.

Desci com a amada, que por motivo algum estava no meio do banco e exigia o movimento – a chuva, talvez, nos apressou assim – e a manobra feita exigiu que a repensasse e, uma vez no aberto, o carro avançou alguns metros. Agora leitor, nasce a lembrança. Ela me fitou e disse ‘nos deixaram’, ao que respondi ‘vamos indo’ com uma seriedade besta, afim de zangar a própria mentira e a desafiar. Ah leitor, dói expelir as próximas palavras. Apertei a mão no cruzar dos dedos para selar o convite, ao passo que ela se desesperou e disse ‘estou sem os sapatos’.

Fiquei (procuro-as até agora) sem palavras. Iriam voltar e buscá-la, mas naquele instante, nos poucos segundos presenteados, fomos libertos, beijamos o caminho de volta e vimos o sol renascer, trilhamos toda uma nova vida de cores. A despedida não narrarei. Parte de mim não voltou e não volta mais, e por estimar a natureza infinita desse casal, não narro a partir disso. É esse todo o mal, leitor. A infinidade. Qualquer dos ônibus ali que tomássemos, qualquer das paradas que fizéssemos, estaríamos juntos, um passo de jornada juntos, e é o melhor começo - a infinidade, leitor.
Mas aqui o presente acaba. A fantasia há de ser só minha.