terça-feira, 2 de outubro de 2012
Tu és maldito
terça-feira, 18 de setembro de 2012
Receba a honra de compôr um título a este.
De um lado minha sabedoria; do outro a impotência de fazer-lhe saber:
Os dentes em “V”; a minha disposição.
A dupla de pelos no dedo anelar; meu desejo de nele estar.
A cicatriz na raiz dos cabelos; meu amor próprio.
É destro de mão e canhoto de pé; meu pedido de perdão e confiança.
O cobertor sem “R”; o sorriso que eu quero ser.
O coração é grande, destaca o lado do peito; minha perseverança.
Pés trinta e nove; meu amor mil.
O desejo pelos seios; meu suor ao ter seu corpo.
A pinta rasa no queixo; minha saudade (nada rasa).
O irmão vivo o compôs; a chance.
A sua cor é o azul real (reino das palavras); o amarelo dos meus olhos não mentem.
O tempo para ele; para mim.
As lembranças dele; minhas palavras não ditas.
Sei o primeiro pensamento ao acordar e o último ao adormecer; meu desejo de continuá-los sendo.
Tenho a mais íntima sabedoria dele, entretanto não seu convencimento.
Minha fortuna foi maior que a de Diego, este lhe seria mais velho. O veria pôr-se entre os coqueiros e tornar-se Mestre. Eu o vejo. O ouço. Depois de perder-se no reino que habito, ele pensa palavra por palavra num banho no escuro. Mas não as torna
segunda-feira, 17 de setembro de 2012
Repare nas Nuvens
Hoje, queria que chovesse. Queria que escorre na janela, para que eu lesse meu livro.
Calmo e sereno, eu dormiria, após tanto tempo em claro.
Calmo e sereno, evocaria em mim o mundo das chuvas e enfim me calaria para dar alma e asas ao poeta.
O reino das palavras
Para você: O Reino das Palavras.
Explore uma vez por dia para descobri-lo aos poucos e por completo.
Verá a história do menino e seu velho, verá a história do Espelho de Jorge Luis Borges, verá a história do monstro cinza que aterrizou um vilarejo ao norte, verá a história que tem para contar uma velha que borda ao passo que a citada criatura assola o citado vilarejo -- verá a fábula sobre os gigantes que andavam na terra e nos ensinaram a arte de cultivar, verá o conto da loja que vendia lembranças, verá o conto do menino que criou, dando seus nomes próprios, seu mundo peculiar. E muitos outros.
Explore, uma vez por dia, para conhecer por completo o meu reino. Onde impero absoluto.
Assim, só assim, poderá uma pessoa (e é esta você) desbravá-lo.
terça-feira, 21 de agosto de 2012
Guarda no Castelo
Afinal, ele assistiu nascer, erguer-se e escolheu tons e pedras - mas é, de fato, seu dono? Apenas um dos dois é imperecível, porque perfeito em si. Mas não o Rei.
Então diriam, imagino, ser o Vento*, que moldou as pedras. Ou a terra, que geriu firmeza.
Ou o ser que de um sopro ou infinitas palavras fez o que se compreende por vento e o que se compreende por terra. Porém nós, todos aquém, não compreendemos quem é, ou se alguém de fato é, seu dono.
Algum desses, todos metáforas vis, podem ser o palpite. Mas não o meu.
Compreendo que sou eu seu único dono e mantenedor, pois dos tempos imemoriais escrevo e guardo nesse Castelo todas as minhas prosas. Ora templo, ora cemitério, jamais abandonou.
O que é meu e está lá é, ora lenda, ora mistério.
E permanecerá no porvir a incerteza do que exatamente o poeta guarda no Castelo.
*De um outro castelo, este não é dono senão seu maior temor.
quinta-feira, 9 de agosto de 2012
Princesa dos Olhos
Eu andei longe para encontrar. A princesa da terra distante, você foi. Agora, não mais distante, ainda é.
A princesa dos olhos. Meus e teus olhos.
Quando cuida, quando esmera, merece.
Frases desconexas, como pensamentos.
Pensamentos meus que são seus, como os sorrisos.
Quando me viro, descontente de ingrato, e sorrio ao mundo que não te é, sorrio com o sorriso que você me deu. Quando não sorrio, abraço a causa amarga e doce que você é. Dependente, te sou e te contemplo.
À princesa dos olhos.
Não há nada mais forte em mim, que senti-la me sendo. O medo, mais fraco é. O mundo, aos joelhos cairá. Que mais vale da estrela afogar-se num lago e bradar sua mansidão - o brilho, perceba, é passageiro.
(Desta metáfora, somos a estrela, o lago, a mansidão e o brilho.)
Disseste ser a mão a parte em mim Kleber. Agora, mira os sorrisos. À parte, em si Anna, em mim.
Os seus, desenhei como engenheiro dos céus. Não todos, mas os meus sorrisos, ergui-os.
Convida-me a sorrir mais forte. Use as mãos como anzóis dos meus lábios, se couber e agradar a metáfora. Convida-me novamente ao seu reino das palavras.
Princesa dos olhos, é.
Decifrar a mente pelo enlace das mãos.
Decifrar a alma pela refração dos meus olhos nos seus.
terça-feira, 13 de dezembro de 2011
O rascunho a teu punho é bem melhor
"Nós. E a noite estendida sobre,
e um outro teto antes. Nós, somente,
E todo o futuro para nós,
como uma criatura,
Uma porta que devora no fim do caminho
Nós.Me perdoe, pequei em não anotar a data na folha de papel.
A noite estendida sobre, e um outro teto antes
Outros de nós no ar que nos contorna.
Não como nós. Aquém de nós.
O futuro para nós como uma criatura
Uma porta que devora no fim do caminho,
E sua presença lá indubitável sendo,
As estrelas, para nós como o futuro e a porta,
Já habitando o céu para onde ascenderemos,
Eu e você, amor, quando deixarmos vivo
o sentimento nosso que a nós transborda,
A intenção pura e infinita que a nós concede,
o meu ou o seu deus, ainda não sabemos.
(Meus braços, meus braços te envolvem)
Meus braços te envolvem
Seus olhos me guardam,
Estamos protegidos e queimamos,
Seguros (de nós mesmos), no escuro e no silêncio
(Como a vela que queima na igreja)
Como a fogueira dentro da caverna
num dia de tempestade.
Responderemos ao futuro
imitando às estrelas."
sexta-feira, 14 de outubro de 2011
Nesta prosa
As paredes escurecem, o mundo adormece e o resto é de outra prosa.
quarta-feira, 5 de outubro de 2011
O Buraco em Montes Altos
Nessas cidades o tempo não foge como a nós. Portanto, dois caminhões que se chocaram em um domingo, tendo um deles tombado, afligiram no asfalto uma rachadura do tamanho das tangerinas, que permaneceu sem supervisão até a madrugada de segunda. Vejam só, as pessoas em Montes Altos tem a fama de serem presunçosas. Quando a caminhonete da prefeitura iluminou a fenda com um holofote, preso a um ferro na carroceria, os funcionários que deveriam reparar os danos pouco fizeram; coçaram os quepes e fitaram-na: o pequeno buraco, agora do tamanho do veículo, poderia arrastá-los para sabe se lá quantos metros subterrâneos. E assim pensaram, uns com os outros, no aconchego de seus colchões pobres, de feltro; resolveram que pouco ou nada poderia ser feito para remediá-lo, o maldito buraco, e foram ter em suas casas no subúrbio.
Quando a notícia chegou ao prefeito Argélio, de que a fenda não fora reparada, esta já estava maior e não demonstrava sinais de que iria, hora ou outra, desistir; engoliria a cidade toda. A única solução seria locar os tratores de Paço do Lumiar. Mas mesmo este município, que era o mais próximo, estava a horas de distância em uma estrada esburacada e alagada pelas chuvas mansas. As máquinas por hora atribuiriam dívidas exorbitantes. - Fora o trabalho todo... -, pensou Argélio na poltrona reclinável em seu gabinete. - Que fique assim.
As pessoas não protestavam, estando para o buraco como estamos todos para a morte: esperavam cheios de um otimismo vão. E assim ao caos se deu teor de castigo divino. Quando as avenidas principais foram consumidas, tomaram rotas alternativas; e quando as vendinhas ruíram, começaram a plantar no quintal, no encharque, no lodo. Mas andavam por aí sempre com um mal estar no estômago e, quando ouviam os ruídos do deslize de terra e asfalto, desatinavam a rezar, apertando as mãos em súplica.
Os primeiros mortos foram velados, visto que o cemitério era a alguns quilômetros do centro, com grande assombro. Mas uma vez que os postes foram aterrados, cessando a energia elétrica e rompendo os fios de telefone, a contagem deles se perdeu.
Nas ruas, estilhaçadas pela força dos deslizes, imperava o sentimento de derrota. Sair e ver o monstro, inevitável e voraz, o maldito buraco, com o só propósito de trabalhar ou de visitar alguém, foi desconsiderado. Alguns cidadãos se moveram até outras cidades. Mas, na grande maioria, os Altenses esperaram a morte em casa. E essa chegou, engolindo as vidas em uma fila circular concêntrica.
Quando as emissoras televisivas chegaram, o buraco já constava uma catástrofe nacional. Mediram cento e vinte metros de profundidade, todos de lama e escombros do que foi Montes Altos. Os analistas e os contadores obtiveram, em esforço coletivo, o valor da soma necessária para reparar o que se espalhou como “A boca do Inferno” no resto do país. Mas era óbvio que esse não era o ideal. A proposta, de relocar as pessoas nas cidades que cercavam a sua, não agradou a todos os moradores – a idéia de começar uma nova vida, e do trabalho necessário para tal, aterrorizou as famílias. Porém alguns, como Argélio, com uma enorme barba e já sem profissão, fugiram para morrer de fome no Rio de Janeiro. Os outros insistiram em continuar lá, onde dormia o buraco.
Ele permaneceu a ruir, mas eventualmente parou. Hoje, vinte e seis anos após o incidente, que se tornou uma fábula que entorna a preguiça, uma tragédia indelével da história maranhense, se encontram não mais que cem habitantes. Vivem de plantar alface e cenoura, na terra úmida da beira. E quando estão lá, olham para baixo, para o buraco, como uma grande criatura, morta de velhice, e não deixam de pensar pelos que sucumbiram, como penso agora, que descansem em paz.
sexta-feira, 2 de setembro de 2011
A Casa de Peñaflor
Agora, enterrado nos cobertores de lã da estalagem, observava-a dormir, e os pequenos reflexos do seu corpo para o frio matinal. Quando acordou, permaneceu imóvel e disse:
- Ainda está chovendo?
- Sim. E está ainda mais frio do que ontem – balbuciei.
- Onde exatamente estamos? Já estamos em Santiago? – me perguntou, com seus olhos grandes de súplica.
- Aparentemente, estamos nos sítios de Peñaflor. São duas horas de viagem até Santiago. – informei-a, ainda sob os cobertores de casimira – Mas podíamos passar o dia aqui, e seguir o rumo amanhã.
Acenou com a cabeça e fechou os olhos. As sombras debaixo da porta continuavam a dançar e se ouvia o som da chuva fraca estalando na lagoa.
- Amor, me conte sobre a casa de ontem... – pediu-me, se apoiando sobre o cotovelo – você insistiu que a conhecia e a sua origem.
- Bem... Para começar, aquelas luzes não deveriam estar acesas. A dona, pelos maus cálculos, morreu a cerca de meio século.
- Quando você começa por “Para começar”, é história longa.
- É mais longa do que me lembro. – Afirmei.
Eu passei o início da manhã pensando na casa. Perdemos-nos pelos campos e paramos nos domínios de seus grandes portões, entalhados de ouro e bronze, na noite anterior. Duas luzes na torre, como os olhos amarelos e enérgicos de um felino, eram a única luz visível em quilômetros de mata e vultos duvidosos.
- Não me lembro o nome de sua proprietária. De qualquer maneira, nunca foi conhecida pelo nome. Casou-se cedo com o herdeiro da fortuna das armas Winchester, John, que possuía na época a segunda ou a terceira maior herança das Américas, acumulada entre acordos com o governo na primeira guerra. – Disse, e Anna chegava mais perto, entrelaçando os pés e as mãos com as minhas sob o cobertor. – Já possuíam muitas propriedades, como as notórias mansões em Connecticut, somando quase um terço do estado. Numa dessas casas a filha do casal morreu, e eventualmente o próprio John. As causas ainda são misteriosas.
- Não esperava uma história de terror. Você sabe que eu não gosto dessas. – interrompeu Anna, já mais desperta e atenta.
- Está mais para uma história sobre a insanidade. – afirmei – Meses após a morte de seus entes, a Senhora não passava uma semana bem. Estava sempre pigarreando, tossindo, com febres, sendo encontrada em um estado mais que letárgico inúmeras vezes. Os doutores não sabiam o que fazer. A família tinha fundamentos espíritas, e a única resposta que a Senhora encontrou, dentre a medicina e a religião, seguiu. – Continuei falando, em um fervor inconcebível de dono da história – A sua guia espiritual lhe informou que a causa da morte, tanto da filha quanto do marido, era a de uma maldição insólita. Todos os espectros de todos os mortos de combate por rifles Winchester vagavam nos mesmos corredores de sua casa, procurando se vingar daqueles que impulsionaram sua fatalidade.
- Em quantos espectros falamos? – Perguntou.
- Em centenas de milhares, ou à borda de um milhão. Na época entre as guerras só se comprava um Winchester para dar cabo de amantes ou da própria vida. Mas o saldo vem desde a conquista do oeste estadunidense. Na segunda guerra, morrer pelos seus canos únicos já era considerado de mau gosto. Vá, um milhão. Mas a senhora não acreditou no ato. Apenas meses mais tarde, ao passo que os via entesourando os espelhos e as vidraças, considerou mudar-se. Viajou por toda a América do Sul, até que seu cocheiro se perdeu e o cavalo caiu morto aqui em Peñaflor, às encostas de um grande terreno e uma modesta casa amarela. É a casa que vimos ontem na escuridão.
- A casa não parecia modesta. A comparação a um castelo parecia modesta. – Disse, me olhando com deboche.
Começava a ventar mais na pousada, e a lâmpada de filamento formava um círculo de luz no chão que caminhava pelo quarto. Da janela, perpendicular à porta, podíamos ver uma só nuvem massiva e negra. Prossegui:
- De fato, a planta original da casa hoje corresponde à base da torre principal. Em cerca de um mês a Senhora ergueu inúmeros quartos para as acomodações de seus criados, uma piscina, e reformou toda a pintura interna. Viveu bem lá por cerca de seis meses. Sua vidente, que dividia também as premonições do sonho, percorreu o labirinto de ontem para lhe entregar uma mensagem pessoalmente. Disse-lhe que os espectros estavam na casa. Sua única chance de não contrair os agouros estava em estar, constantemente, construindo-a e os aprisionando lá.
- Não funcionou, presumo.
- Funcionou um pouco. Nos primeiros meses, construía um poço, uma chaminé ou um salão para jogos, os reformando sempre e sem necessidade. Sua única escolha excêntrica era a completa ausência de janelas ou de espelhos. No mais, os arquitetos chilenos não protestavam. Queria vedar-se dos vultos, mas não pôde fazê-lo com as vozes, que cresciam vociferando em sua orelha, ecoando pelos longos corredores. Perdeu sua lucidez como quem perde o fôlego. Passou a construir com um só arquiteto fiel, e da velocidade que perdeu ganhou no engenho de suas obras. – Parei a fitar Anna.
Estava atônita e sem palavras. Começava a esfriar ainda mais. A história foi interrompida para que eu achasse um outro cobertor de lã no armário empoeirado e que estocava grande quantidade de tudo.
Sua primeira foi a torre. – continuei – onde passou a dormir e onde morreu vinte anos mais tarde. Os pisos eram peculiares. Com a luz adequada, eram pretos vistos de um lado do quarto e inteiramente brancos vistos do outro. Às vezes não dormia. Acendia as luzes da torre e as empregadas, que conversavam escondidas em uma das cozinhas, não demoravam a ouvir seus gritos. Com o tempo, dispensou também as empregadas, como os jardineiros e os rapazes que cuidavam da piscina, de modo que a casa passou a exibir inúmeras teias de aranha e o descuido de um templo abandonado. – Não conseguia parar, e os olhos de Anna certamente não o queriam – Se deu a construções excêntricas. Seu único arquiteto, um homem com quase o dobro de sua idade, era pago para toda sorte de insultos. O número de cômodos subiu de quarenta para cem em poucos anos. Os corredores escondiam passagens secretas, portas que davam à lugar nenhum ou a paredes e escadas que davam no teto.
Assim começou um verdadeiro jogo entre a Senhora e as miríades de espíritos que habitavam sua enorme casa. Diversas anotações, em riscos que somente ela entenderia, pintavam os corredores e indicavam as câmaras escondidas. Cordas guiavam pelos labirintos de grama cortada do jardim. – Continuei dizendo.
Começou a chover mais forte, e me aproximei ainda mais para o resto da história. Suas mãos me entrelaçaram, e podia sentir nas costas as suas dez unhas. Prossegui
- Antes de morrer, ficara completamente sozinha na casa. Seu arquiteto morrera em uma emboscada, enquanto pescava na sua fazenda de Andaluzia, em uma das suas únicas folgas. Ironicamente, por uma Winchester .22 contrabandeada. Sem poder construir, a Senhora conseguiu fugir do inevitável por três meses, utilizando todas as passagens e os abrigos de seu covil infinito. Sem comer ou beber, morreu na sua cama, no quarto da torre. O ar hostil da casa fez com que seu cadáver fosse encontrado cerca de vinte dias após a morte. E não é como se essa não fosse sentida, as visitas simplesmente não saberiam como chegar à torre para encontrá-la em seu invólucro, em meio a tantos segredos e anotações sem sentido.
- Amor, me desculpe... Mas como sabe dessa história toda? – Perguntou, como se precisasse, de alguma maneira, achar o fio fantástico que lhe daria a falsidade dos fatos narrados.
- É uma lenda entre os corretores do escritório em São Paulo. Diz-se que, quando precisaram avaliar o imóvel, os corretores de Santiago encontraram cento e quarenta e oito quartos. Quando avaliaram de novo, encontraram cento e sessenta. A escada que dava para a torre descia vinte degraus e subia trinta e três. Uma das entradas na parede dava em um aquário e outra numa estufa. Quarenta homens precisaram de um aparato moderno e eficiente para não se perderem.
- E que fim deram na casa? Naturalmente não se compra um inferno desses. – Perguntou Anna.
- Deram talvez o único fim possível. Um excêntrico homem Libanês comprou-a e a transformou em uma espécie de ponto turístico em Peñaflor, até que um grande terremoto tornou irreparável a maioria de seus cômodos. A escada subterrânea da torre cedeu. A força da terra rompeu os postes do chão. Aquela luz que vimos não deveria, de forma alguma, estar acesa.
Ficamos acordados e em silêncio por alguns minutos. Sem mais uma palavra, Anna dormiu. Quando acordou, portanto, o fez decidida a ir embora. Quando estávamos no carro, passamos por um canto de estrada onde podíamos ver claramente a torre da casa de Peñaflor.
- Me diga... Essa foi mais uma das histórias que você inventa? – Me perguntou.
- Bem, a casa é assim, como a disse. O que tem as histórias que eu invento? – Retornei.
- Eu nunca sei a diferença das reais.
E partimos rumo a Santiago. O sol, que apareceu no caminho, nos dissipou dos espectros e da maldita casa que, até a fronteira entre as duas cidades, pareceu observar.
segunda-feira, 29 de agosto de 2011
Perder-se no Labirinto das Letras
quinta-feira, 11 de agosto de 2011
O nada
O que realmente me acontece é o que chamo de dor literária. Às vezes eu estou subindo as ruas que levam da minha casa até a rodoviária, e me vem uma ânsia de espirrar essas palavrinhas de sempre. A vontade, esses dias, foi da palavra “selênica”. Queria atribuí-la a uma criança, mas ao perceber que deveria pincelar-lhe um cenário místico, um propósito e outros adjetivos, acabei dormindo. De qualquer forma, já a usei aqui. A minha dica? Saiba utilizar as idéias. E me ensine a fazê-lo também – estou cansado de perdê-las e doá-las a outros escritores, como a palavra “Ametista” que eu doei para descrever os olhos de uma personagem de um amigo. Isso tudo, por não escrevê-las quando as penso. Se pudesse escorrer tinta dos lábios e tatuar nas costas, enquanto balbucio as linhas do texto, seria o ideal. Se pudesse nem escrever, ainda melhor. Mas vem essa dor, rói os ossos dos dedos e escreve por mim.
Quis descrever o céu do parque, mas me passou um corvo; quis descrever o corvo, mas surgiu um homem e o seu bigode. Voltei para a casa. Agora, escrevendo sobre o episódio, começou a chover, molhando a ave e o bigode na história. Uma menina que iria aparecer ficou com medo dos trovões, não saiu e não conheceu o meu herói. Assim me fogem as idéias, como a areia por entre os dedos, como o vento a assoviar por entre os fios de cabelo. Queria dizer que é do anjo ou da Marieta, mas, no fim, devo me perdoar – esse é só mais um grande texto sobre o nada.
E eu nem sei se Marieta é mesmo um nome...
quarta-feira, 10 de agosto de 2011
O céu peculiar de hoje
Atribuo-me, também, noutra citação. Afirmei-te que, por mais colérico que estejas, o céu tem a capacidade de incitar os sorrisos em seu espetáculo. Hoje, porém, me provei errado. Sequer o notei, ao ponto de que as nuvens já se dissipavam e já crescia a escuridão da noite, e o culpado foi o próprio tempo que escapou dos olhos. Ele me roubou o sorriso do céu, mas falhou miseravelmente em tomar o sorriso que me traz a sua voz, que veio quando eu disse, por um motivo qualquer, uma palavra com a entonação que você a deu. Pudesse, ecoava a mesma palavra no céu vermelho até que ela perdesse seu sentido. Essa palavra é “Muito”. E me acendeu a necessidade e a existência de mesclar não a palavra ao céu, mas você à palavra.
segunda-feira, 11 de julho de 2011
Arquitetura
terça-feira, 5 de julho de 2011
Requiém do Sol
Meu brilho agora cresce cessante, como se adormecente. Obrigam-me ao claustro de algumas janelas, de onde fito à exaustão, procurando-te em cantos distantes, nos finos fios que parecem atar as nuvens ao chão e que te precedem. Obrigam-me a chama fraca, que toda lhe direciono, mas que não basta, e que não chama. Entrego-me ao ofício de te esboçar. Quase te vejo. À noite, quando vem tocar o meu teto e, submerso em uma orla reclusa, ergo os raios como os braços ao seu encontro. Outrora, entre as árvores de um campo, vejo tecer seus fios...
quinta-feira, 30 de junho de 2011
Ao leitor
Porém, se for o anseio a representação máxima da escrita, que faz o escritor quando existe no mundo que criou? Creio não haver poeticidade na resposta que é, em si, a própria fenda. O refúgio, a enseada... Afirmo: por mais metáforas suspensas ao uso, e pelo vocábulo infinito da língua, escrevê-la é se entregar a inexatidão e trair os sentidos. Não escrevê-la é um egoísmo que me cabe. É a memória mais terna que tenho, e não pretendo simplificá-la ou àqueles olhos. Posso, para deixar-te com algo, dizer o que são aqueles olhos pelo efeito que eles tem em mim. E digo-lhe, leitor, se fixaram de tal forma que, com certas peculiaridades, fecho os meus fiéis de acordarem no domínio daqueles que, em si, são a enseada no refúgio.
segunda-feira, 11 de abril de 2011
Indagação
Se não verteu no jardim, não o faria agora. Desafiei-me a não pensar na indagação, sentei a esperar o ônibus e por alguns momentos fitei a lua crescente, em sua cor de ferrugem – até que enfraqueci. Por que fazer da noite um arco que separa, varrendo os dois sóis da menina? Arrastando, em um estado letárgico, onírico? Por não estar ali, por não ter casa que não é teus olhos.
Recompus-me. Mirei a gente de uma casa verde, e como se entrelaçavam na cozinha enquanto um deles preparava café. Tinham de ficar acordados. A janela projetava a angústia, o alvoroço, e me teve até trair-me um canto do olho, com o ônibus que me chamaria de volta. E se voltasse? Se me mantivesse firme como uma torre de mármore, trouxesse no semblante o convite das horas, não haveria recusa.
São, desisto dos devaneios. Fixo sobre o mostrador do relógio digital, e no virar dos números vermelhos a fim de apressá-los. Embarcar – devo embarcar. É o último ônibus, e se embarcar, ainda que descanse a cabeça no vidro a pensar, como quem fita além do monte e quer rasgar o céu, a intenção não me trará aqui.
Devo embarcar – se chover, não há o que faça. Os trovões me inquietarão e o estalar da água no meu telhado de ferro calarão a própria voz, e o corpo irá. Caminhará cada vez mais rápido através das ruas, das gotas e faróis de carros. Devo embarcar, mas o ônibus não vem.
Temo que nunca virá.
terça-feira, 29 de março de 2011
Quero a chuva além da chuva
Já não basta escorrer na janela, quero a chuva além da chuva.
Compartilhar o mesmo telhado. Vamos, amor... procuremos, amor...
É nosso por direito.
sexta-feira, 25 de março de 2011
Periélio
E nós, perguntas? Nós não diremos ao outro sobre esse dia, para não falhar nas palavras. Verás uma brisa fria chamar um sorriso meu, e terás toda a certeza; encostarás no meu ombro a fim de esconder sua reação, e se verter uma lágrima, a enxugarei com o rosto, mas não questionarei sua origem. Assim farás também comigo, até que a próxima estrela desça cá conosco...
segunda-feira, 14 de março de 2011
Amante
Pairou furtiva e tão rara,
Assoprou as nuvens, vestiu-se
De um amarelo-manteiga
E dormiu a contar as estrelas
Em seu cobertor...
Acordou, viu que fora traída.
‘Pois o Sol, que acariciando
A terra, verteu sobre uns olhos,
Tão grandes, castanhos...
Que perdeu-se no manto celeste!
E ficou...
As estrelas foram o júri dela.
E o divórcio foi mútuo de horas...