sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Vigia de Órion

Será betelgeuse? Contaram-me os arcanjos, a fim de inquirir um sorriso, que há no céu o vigia de Órion. E cuida da terra e das plantas, mas cuida melhor dos amores. Contaram-me os arcanjos, que anuncia o tempo estio nas ondas e brilha mais em janeiro, com a noite aberta em manto. Não é betelgeuse, penso, vivendo perto do cinturão. Ainda que invoque as águas, o nosso vigia é distante, e não compartilha a noite, nem os olhos.

Esperei que dormissem, e entrei pelas asas de um - esperando palavras no sono. E disse: a oeste. A oeste de casa? Visto que a sua é para o leste, venho em seu caminho, no zelo do vigia. E a leste e distante, só pode ser Sírius - o prêmio do caçador, a prova. O fato é que os anjos não mentem, e assim sendo nossas janelas dividem a vista, amor. E tiveram de mim o sorriso, no conforto de termos a nós uma estrela no céu que é, sim, maior que o sol.

Em dias como hoje a venero na vinda, por compor a noite agradável e por iluminar esta sala nos cantos, madrinha da escrita. Mas é pela formalidade, sei que é por nós que assume o turno. É pelas letras e o apontar dos dedos. Ainda o faço pela certeza. Sente-se chegar com o poente, vê-se que as luzes caem e até que eu traga um novo dia, somos de Sírius - e tem guardado muito bem a nós. Portanto agradeça, e aguarde o próximo encontro.

Claro que a prosa é trivial. Você já sabia da estrela, e era sua antes de ser nossa. Se não batizada, ou sem as frases que ofereci, teria o mesmo e massivo brilho. É uma forma de gratidão, um ode a vocês. Te faria dos textos se não me tivesse achado, e te daria a estrela se acaso faltasse luz. É um golpe de sorte que os tenha na mesma noite. E um acordo com o ministro dos anjos para tê-los em todas.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Sonhei com faróis

Sonhei com faróis, e não estava perdido no porto. Encontrava-me atrás da estrutura, a lua e o nimbo dourado não permitiam que olhasse para cima. Tinha areia na roupa e nos sapatos, quando me levantei e, a mão como um escudo dos olhos, entrei pela porta de ferro. O seu interior era, ironicamente, escuro. Subi a escada caracol para te encontrar, e você estava no topo, encarando a janela e o céu. Então acenei, e você nada disse - me aproximei, me abraçou e ainda era silêncio. Apontou para as nuvens, e como o refletor abaixo de nós rasgava em seu meio, as tornando bronze. Havia uma outra escada, para onde me levou e acima dessa, o topo da torre. Era tão alta, que esticando as mãos confudiamos as nuvens e essas, vendo que eram domadas, derramavam chuva.

Sonhei com os olhos abertos.
(Faça o mesmo, e imagine o fim como quiser...)

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

A poetisa e o mar

Seguimos, por um sem-fim de árvores entrelaçadas, por um canto de areia para ver o mar. A noite é luz da lua, o vento varre as folhas e o tempo não passa. Os olhos só vêm o mar e a poetisa - que todos lá, compartilhando da vista, compartilhando as estrelas não sabem: eu e minha poetisa entendemos o oceano. Eu o entendo pela poetisa com as palavras na areia; o mar é reservado, guarda os versos na ressaca. Decifro pelo céu, o mar é infinito, tem o tempo morto no alcance dos olhos; que das pedras o mar é um grande espelho.

O mar naquela noite não era um mar de água. Era a conquista, e dali a frente, a possibilidade. O mundo abriu-se a nós como um mapa aberto, e cada sorriso seu era um vislumbre disso. Mas permiti o silêncio e os olhos fechados, até acenarmos ao mar e com o primeiro passo, trilhar a rua detrás vendo que o sol renasce.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Despedida hesitante

Deixei a menina para seguir à casa e toda vida agora é uma sala de espera. Cada constelação que paira não me encanta os olhos. A brisa sigo como a uma rosa-dos-ventos, e o norte está para mim como qualquer ponto na ida que conserve a alma na sua voz ou cheiro. Distraio-me então com as luzes. A da lua quando dissipam-se as nuvens, as da cidade quando esta me falta.

Odeio o cinza. Veste o céu em seu tom hesitante, aterra o sol e nega a chuva. E quero chuva. Se esta vem sempre cinza, que não venha de um tom esbranquiçado, mas se forme escura, trazendo os relâmpagos, forte para escorrer na janela, longa para perfurar o guarda-chuva. Enfeitando o silêncio como a maré o faz. Que enlameie o curso da estrada alheia, se assim trouxer um vislumbre seu.

Rezamos aos anjos. Se ouviram, talvez falhamos nas palavras. Penso que o fizeram e, comovidos, pelejam lá por nós; guiando os astros que podem para tecer a noite. Se te é plausível a idéia, há de concordar que ela está mais iluminada recentemente. Sei que persistiremos contra as adversidades, e destruiremos a parede imposta um sorriso por vez. Porque nós somos luz. Não há parede ou labirinto sem fresta que nos escape. Não há escuridão que a nós se imponha. Porque somos como as estrelas e desafiamos o espaço no alcance dos raios, e desafiamos o tempo quando te deixo e ainda te amo em uma supernova.

Monólogo sobre a estrada

Vê do horizonte o fim? Não o há.
Mas outro defronte guarda.
A estrada, finita, sucede-te,
Consome-te se tu caminhas,
Fecendo da certeza que fenecerás.

Soubesse sua capacidade,
Olharia o sol, o inebriaria,
Extinguiria-o, caso quisesses.
Afogaria em ti todos os lagos.

Vê do horizonte o fim? Há fim!
Perpetue a ti o contornando.
A estrada da estrada, vede,
Tu, de Crônos, és a ampulheta,
E ele preso a ti, vociferando.

Duo

Havia som, mas não havia propósito. A flauta não o criou, mas do seu tom fez-se como o próprio não reconhecia; e assim te mostro o outro eu, do poema que nunca escrevi. Quando a flauta canta, não separa-se do som. Se a tem no vácuo, a tem vã - como o som vulgar, sem notas. Se me tem sozinho, não me tem. Posso ostentar parte dos sonhos, tão somente. Se me tem no seu zelo, me tem incessante, me tem e me vê, como eu não me pensava - fundido a ti, fazendo música.