quinta-feira, 11 de agosto de 2011

O nada

Espanta-me a espontaneidade das idéias. Outro dia vi, cambaleando entre os becos de uns prédios, um anjo embriagado. Ser-te-á de grande sorte um encontro desses, sabes que tão raro é planarem baixo. Perguntei-lhe por que não voava. Disse-me “Estou muito triste, Marieta não devolve os meus olhares. Escrevi um poema, e ia deixar cuidadosamente em seu quarto quando me prensaram as asas na janela. Foi, de certo, a sua prima. Além disso, tentei subir e enrosquei nos exaustores de uns prédios – ai, como dói!”. E lhe digo leitor, não me surpreendi. Porque de fato, nada disso aconteceu. Mas essa foi, com certeza, uma bela introdução.
O que realmente me acontece é o que chamo de dor literária. Às vezes eu estou subindo as ruas que levam da minha casa até a rodoviária, e me vem uma ânsia de espirrar essas palavrinhas de sempre. A vontade, esses dias, foi da palavra “selênica”. Queria atribuí-la a uma criança, mas ao perceber que deveria pincelar-lhe um cenário místico, um propósito e outros adjetivos, acabei dormindo. De qualquer forma, já a usei aqui. A minha dica? Saiba utilizar as idéias. E me ensine a fazê-lo também – estou cansado de perdê-las e doá-las a outros escritores, como a palavra “Ametista” que eu doei para descrever os olhos de uma personagem de um amigo. Isso tudo, por não escrevê-las quando as penso. Se pudesse escorrer tinta dos lábios e tatuar nas costas, enquanto balbucio as linhas do texto, seria o ideal. Se pudesse nem escrever, ainda melhor. Mas vem essa dor, rói os ossos dos dedos e escreve por mim.
Quis descrever o céu do parque, mas me passou um corvo; quis descrever o corvo, mas surgiu um homem e o seu bigode. Voltei para a casa. Agora, escrevendo sobre o episódio, começou a chover, molhando a ave e o bigode na história. Uma menina que iria aparecer ficou com medo dos trovões, não saiu e não conheceu o meu herói. Assim me fogem as idéias, como a areia por entre os dedos, como o vento a assoviar por entre os fios de cabelo. Queria dizer que é do anjo ou da Marieta, mas, no fim, devo me perdoar – esse é só mais um grande texto sobre o nada.
E eu nem sei se Marieta é mesmo um nome...

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